sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

São João Paulo II - Sobre o Esporte




O tema que escolhestes para a vossa reflexão chama a atenção para a natureza e as finalidades da prática desportiva, neste tempo caracterizado por múltiplas e importantes transformações sociais. O desporto é decerto um dos fenómenos relevantes que, com uma linguagem que todos compreendem, pode comunicar valores deveras profundos. Pode ser veículo de excelsos ideais humanos e espirituais, quando é praticado no pleno respeito das regras; mas pode também defraudar a sua autêntica finalidade se der espaço a outros interesses, que ignoram a centralidade da pessoa humana.

O tema fala de "rosto" e de "alma" do desporto. Com efeito, a actividade desportiva manifesta, além das ricas possibilidades físicas do homem, também as suas capacidades intelectuais e espirituais. Não é mera potência física e eficiência muscular. Eis por que o verdadeiro atleta não se deve deixar subjugar pelas duras leis da produção e do consumo, ou por considerações puramente utilitaristas e hedonistas.

As potencialidades do fenómeno desportivo tornam-no um significativo instrumento para o desenvolvimento global da pessoa e um factor mais útil do que nunca para a construção de uma sociedade mais à medida do homem. O sentido de fraternidade, a magnanimidade, a honestidade e o respeito pelo corpo virtudes sem dúvida indispensáveis a todo o bom atleta contribuem para a edificação de uma sociedade civil, onde o antagonismo é substituído pela competição, onde ao confronto se prefere o encontro e à contraposição rancorosa, o confronto leal. Desta forma, o desporto não é um fim, mas um meio; pode tornar-se veículo de civilização e de genuíno entretenimento, estimulando a pessoa a dar o melhor de si e a evitar o que pode ser perigoso ou de grave prejuízo para si ou para o próximo.

Infelizmente, não são poucos, e talvez estejam a tornar-se mais evidentes, os sinais de um mal-estar que às vezes põem em discussão os próprios valores éticos que fundamentam a prática desportiva. Ao lado de um desporto que ajuda a pessoa, há de facto outro que a prejudica; ao lado de um desporto que exalta o corpo, há outro que o mortifica e o atraiçoa; ao lado de um desporto que persegue ideais nobres, há outro que só recorre ao lucro; ao lado de um desporto que une, há outro que divide.

Os meus votos são para que este Jubileu do Desporto seja ocasião para que todos, queridos responsáveis, dirigentes, apaixonados de desporto e atletas, reencontrem um novo impulso criativo e propulsivo, através de uma prática desportiva que saiba conciliar, com espírito construtivo, as complexas exigências solicitadas pelas transformações culturais e sociais em acto com as que são imutáveis no ser humano.

Permiti-me ainda uma consideração. Enquanto favorece a robustez física e tempera o carácter, o desporto nunca deve distrair dos deveres espirituais quem o pratica e o aprecia.
Seria como correr, segundo quanto escreve São Paulo, apenas "por uma coroa corruptível", esquecendo que os cristãos jamais podem perder de vista "a coroa imarcescível" (cf. 1 Cor 9, 25). A dimensão espiritual deve ser cultivada e harmonizada com as várias actividades de entretenimento, entre as quais se insere também o desporto.

Às vezes, os ritmos da sociedade moderna e de algumas actividades desportivas poderiam fazer com que o cristão se esquecesse da necessidade de participar na assembleia litúrgica no Dia do Senhor. Contudo, as exigências do justo e merecido entretenimento não podem causar detrimento à obrigação do fiel de santificar a festa. Ao contrário, no Dia do Senhor a actividade desportiva deve estar inserida num contexto de serena distensão, que favoreça o estar juntos e o crescer na comunhão especialmente familiar.

Formulo cordiais e ardentes votos para este vosso encontro e, enquanto invoco sobre vós a protecção de Maria, asseguro a minha lembrança na oração por todos vós e de bom grado vos abençoo.

Fonte: Site do Vaticano

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